sexta-feira, 1 de junho de 2012

Lamparina, a canção (um making-off poético) - por Rafael Senra


E então, caiu a luz.

Um problema, para todos que substituíram o tête-à-tête difícil, caloroso, pessoal, pela facilidade veloz da internet. Para aqueles que, como peixes ingênuos do oceano digital, foram capturados pelas redes. Para quem acreditou que a frieza da luz dos LEDs e monitores acalentava mais que a própria luz do sol.


No fim, o tédio não oferece fuga, é condição que apenas se adia. É o efeito colateral da aversão ao infinito. Depois de tanto correr do tempo, através do deserto da vida, percebe-se que há algo errado. É quando enxergamos, talvez do alto de uma duna, e percebemos que as areias do deserto são as mesmas da ampulheta. E quando olhamos para o próprio signo da ampulheta – semelhante ao número 8 – lá está o infinito de novo.

Deitei-me na cama. Sem norte, desnorteado, negando o sul, o leste e o oeste, e, por isso, olhando pra cima. Negando o espaço, do mesmo jeito que negara antes, o tempo.

E eis que, ao meu lado, o violão. Tempo e espaço, a redenção em 6 cordas. Seu corpo, semelhante ao desenho da ampulheta, capaz de propagar a vibração das melodias no tempo. Seu braço, semelhante a uma ponte, o espaço onde os dedos criam as harmonias das canções.

E assim fiz, dedilhando meu tédio, fazendo dele melodia. Deitado na cama, tecendo uma colcha ainda sem nome, um esboço sonoro, que ia se escrevendo quase que sozinho. Lá fora, o dia caía, e a luz material ainda não voltava. Quanto mais a penumbra da noite se configurava – lá – a melodia ia tomando forma, e iluminando – aqui – a mim.

Quando a noite enfim se fez, trazendo junto todos aqueles monstrinhos que bailam na nossa mente em momentos de escuridão, eu devia ser o único do bairro com alguma luz ao meu redor. O violão, que tocou por horas a fio, sequer pedia por mais querosene. Aos poucos, fui compondo minha lamparina, tão brilhante, que nem notei quando a outra luz voltou. Esqueci até da noite. Na minha cabeça, só a faísca da criação tinha vez.


- Rafael Senra;
maio/junho de 2012 -