sábado, 14 de abril de 2012

Palavra - por Rafael Senra


Preciso da palavra. E a palavra precisa. É dela que preciso. A palavra exata, certa. A palavra aberta, aquela que me expande. Um só signo; significados a perder de vista. Sim, insisto. 

Preciso da palavra. Mais do que de chaves, senhas, códigos, cifras. Aquela que liberta, não pelo que diz, mas pelo que emana. Preciso da palavra insana. Aquela que é luz, que é encantamento. O discurso mágico, cuja verdade pulsa, cuja flecha atinge os corações de pedra. A rota precisa, a via de acesso, por onde corre a palavra, é o que eu peço.

Os feitiços são como a gota da chuva que se deixa aprisionar bem nas frestas do castelo. Se esconde do amarelo do sol, que transmuta as poças do jardim em fumaça e leveza, em diáfanas carruagens de algodão, que no combustível do vento, irão enfeitiçar outras bandas. Mas cuidado: não se esqueça daquela gota, aprisionada, que se embrenhou nos recônditos mais obscuros, traiçoeira. Ela é umidade, que penetra a unidade, corroendo, umidificando, enfeitiçando.

É esse o feitiço que me ecoa no espírito, que me incomoda as vísceras, que me prende, me sacode, me interrompe. Essa dor que me irrompe, essa lágrima que me afoga, sem aviso, é graças a ela que preciso, muito, da palavra. Aquela que quebra correntes, âncoras, vergalhões. A palavra que libera e liberta.